O poeta não passa de um bêbado. São goles amargos de solidão. A noite vira um papel, onde lá ele suspira meio sufocado, meio atordoado e muito apaixonado. Poeta malandro, que fala sobre o amor e teima em não amar. Sua cabeça gira, seu corpo estático e a mão por sobre o copo. Os murmúrios da noite, as pessoas vazias e o preço da porção de batata frita. Observa tudo, não se importa com nada. Poeta egoísta. Acende um cigarro, fuma seus versos e por último se desfaz em cinzas. Enganando-se nos decotes alheios, por ser fruto da humanidade imunda. Desejando a indomável musa, acorda na irracionalidade interior. Fala pouco, mas na poesia conversa horas a fio. Amigo inseparável do prazer. Inimigo daqueles que não sabem beber. Poeta bêbado de palavras flutuantes. No leito um corpo jovem, cabelos negros e lábios cruéis. No peito um turvo desejo de expor, mas não sai dos papéis. E mesmo que seu coração esteja sóbrio, mesmo que ele queira vivenciar, seu cérebro inútil o torna incapaz de realizar. Quisera ele usufruir do amor que tanto exalta, sentir o calor do corpo pequeno e moreno da mulher que amada, sorrir e chorar, recitar versos sem justificá-los em gramática. Reles imortal. Condenado a ser vendedor de ilusões e mendigar chances entre todas as chances. Não realizar o último desejo, o beijo da morte serena e aguardada. Poeta, um ser deliciosamente inconstante, e isso já não mais justifica nada.
A.F.
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