Ele me encarou por um bom tempo. Não precisei olhar pra saber. Senti aquele olhar invasivo e nojento. Fiquei apavorada, mas não falei nada. Tentei não pensar muito. Não ia demorar. Logo estaria em casa. Não me preocupei. Ele não parou de me secar. Se mexeu ao meu lado. Sua perna tocou na minha. Me afastei. Estava nervosa, mas não reagi. Preferi me reprimir. Não era nada, pensei. O ônibus vazio, mas ele sentou ao meu lado. Pediu licença, sorriu. Cedi um espaço, ele passou e sentou. Desde então ficou me examinando, me encarando, me comendo com os olhos como um urubu sedento por lixo. Seu braço deslizou no meu, me afastei novamente. Eu já estava sentando quase na ponta do assento. Pigarriei, incomodada. Ele não pareceu se importar, na verdade estava gostando da situação. De repente soltou um "Você é muito bonita, sabia?". Congelei. Constrangida disse um obrigada baixinho, minha cabeça abaixada. Ele sorriu outra vez. O ônibus em movimento deu um freada brusca para não avançar no sinal vermelho. O corpo dele veio pro meu lado de imediato e ele tocou nos meus seios. Olhei assustada pra ele, dizendo "O que você pensa que está fazendo?". Ele respondeu que nada, que foi culpa do motorista, e se sentou no banco direito. Baixei a cabeça de novo, meu coração acelerado. Queria só chegar em casa. Queria só chegar em casa. Só isso. Me levantei e sentei do outro lado. Fui rápida, sem jeito. Sentei confortável na cadeira ao lado da janela. Agora estaria tudo bem, pensei. Olhei pro tal homem rapidamente, ele me encarava com raiva. Seu olhar era sinistro. Arrepiei. Se levantou e sentou do meu lado de novo, mas dessa vez sussurrou algo só pra mim: " Acho bom você ficar quietinha". Sua mão tocou a minha coxa. "Eu tenho uma coisa aqui, você vai se machucar se resistir". Meu peito esfriou, minha garganta secou, meu estômago doeu. Tremi por dentro. Estava apavorada. Por instinto me levantei. Gritei alto por ajuda. Ele arregalou os olhos, se levantou e foi andando pra trás do ônibus . Puxou a cordinha pra descer. Eu gritei de novo, uma senhora foi até mim. O ônibus parou, ele desceu. Eu comecei a chorar, a mulher nada entendeu. Ela me perguntava o que tinha acontecido, mas eu não conseguia responder. As lágrimas caiam, e eu me sentia sozinha. Desamparada. E esse foi só mais um dos inúmeros dias dos assédios que me rodeava.
A.F.